sexta-feira, 28 de junho de 2013

Para reflexão... as contradições!!

Há mais sentidos de curtir e compartilhar do que imagina nossa vã juventude
23/06/2013 - Marcelo da Silva Duarte.

Então, de uma hora para outra e na velocidade de uma mensagem instantânea, a geração cujo conhecimento sobre a miséria alheia se resume ao compartilhamento de fotos em redes sociais passou a curtir a desqualificação da política e, desaforadamente, despertou para a cidadania.

Filhos de gente diferenciada e da classe média que sonega impostos, a geração que nunca arrumou seu próprio quarto quer, agora, arrumar a casa, com toda sua ignorância conceitual e histórica e com aquela dose de petulância peculiar à toda rebeldia sem causa.

Arrogância que lhe faz pensar que 2 milhões podem falar pelos 20 milhões que ascenderam socialmente nos últimos 20 anos, sobretudo nessa década de administração petista.

Estaríamos bem, contudo, se se tratasse somente de ignorância e soberba.

Vai além. Nos poucos momentos em que escapa das generalizações banais – clamar pelo fim da corrupção e por melhorias na saúde pública são truísmos -, transita do egoísmo míope ao individualismo tacanho, marcas de uma geração cujo conceito de solidariedade se esgota no voluntariado asséptico e na doação de 1kg de alimento não-perecível.

Clamam por políticas de distribuição de renda, mas apregoam o fim do bolsa família, ignorando completamente dados estatísticos de mobilidade social e o reconhecimento internacional da mais bem sucedida política pública do século.

Exigem mais vagas em universidades públicas, mas clamam pelo fim das políticas de cotas raciais e sociais, ignorando completamente tanto a dívida histórica do estado com minorias oprimidas quanto o papel fundamental desempenhado por essas políticas no rearranjo produtivo e social deste começo de século.

Clamam por justiça social, mas ignoram completamente os dados relativos aos investimentos públicos em programas habitacionais, responsáveis pela maior revolução social dos governos do ex-presidente Luís Inácio da Silva e de sua sucessora, a digníssima Dilma Roussef.

Aquela mesma que suportou choques elétricos, dados pelos avôs de alguns desses manifestantes, para que eles hoje pudessem estar nas ruas expressando sua opinião – ainda que, em muitos aspectos, completamente disparatada.

Então, na velocidade de um torpedo, a geração que compartilha a ignorância sobre a violência policial nas periferias e sobre a violência institucional nos presídios passou a não curtir a violência policial em protestos, tanto mais quanto mais difícil foi enviar para o instagram, devido à fumaça das bombas de efeito moral, a foto ao lado da “best friend forever”.

Se você organiza um protesto, é responsável por suas consequências. Há ônus e bônus em tudo, nesta vida. O governo colhe os louros, dentre as classes menos favorecidas economicamente, de suas políticas de inclusão, mas também colhe prejuízos dentre setores que com elas não concordam. Só que, ao contrário da gente diferenciada que “acordou” e em nome da coerência histórica, não pode atribuir a vândalos a responsabilidade por eventuais erros. Precisa suportar no osso do peito que o país avança, a partir e a despeito, de uma política de alianças em muitos aspectos antirrepublicana.

De uma hora para outra, o número de carros populares em circulação passou a ser um problema para a gente diferenciada que sempre andou em automóveis do ano e jamais havia posto o pé num coletivo urbano. Agora todos querem metrô, pois “país desenvolvido não é aquele em que pobre tem carro, mas aquele em que rico anda de metrô”.

Ninguém nunca disse que mais automóveis em circulação é algo bom. Disso não se segue, porém, que as pessoas que ascenderam socialmente não possam comprar o que lhes aprouver.

Do dia para a noite, como se o Governo tivesse investido sequer um centavo a fundo perdido, as obras de infraestrutura e de construção ou reforma de estádios relacionadas à Copa do Mundo passaram a ser um problema, não obstante ter o BNDES autonomia administrativa para decidir quanto, quando e para quem empresta seu dinheiro – que será pago pelas construtoras que com ele contratarem, ratifica-se. Jorge Gerdau Johanpetter, um dos maiores industriais brasileiros, é cliente assíduo de financiamentos públicos, mas isso parece não incomodar a parcela “diferenciada” de nossa juventude.

É evidente que não é logicamente necessário se realizar um evento de porte internacional a fim de se realizar obras de infraestrutura – e, aqui, uma das justas reivindicações da parcela “não-diferenciada” dos manifestantes -, mas disso não se segue que o dinheiro público esteja sendo utilizado de forma irresponsável. Há algo em administração pública chamado discricionariedade – responsável, p. ex., no governo de Fernando Henrique Cardoso, por sua política de privatizações.

O montante destinado para as obras relacionadas à Copa do Mundo chega a no máximo 10% do investido em 2012 pelo governo em educação.

Uma das faces mais visíveis de todo o processo envolvendo intervenções urbanas relacionadas à realização da Copa do Mundo tem sido a desapropriação territorial e o desalojamento de famílias de baixa renda de áreas ditas de interesse público, mas como os filhos de tais famílias não frequentam redes sociais, não se viu, na recentes manifestações, nenhuma espécie de preocupação com seu destino.

E onde está a coerência de demandas como a do estabelecimento de “passe livre” estudantil? É contraditório que o governo crie linhas de crédito específicas para a realização das obras relacionadas à Copa do Mundo, mas não o é que estudantes sejam beneficiados com isenção, enquanto empregadas domésticas, comerciários e industriários, não? E se se defende o “passe livre” para todos, o Estado é quem pagará a fatura? Mas, se suas prioridades são educação e saúde, não é contraditório se exigir de um país com dívidas sociais benesses com as quais a sociedade pode arcar? Não é mais sensato se mobilizar pelo “passe livre” depois de resolvermos nossos problemas mais graves, tal como, analogamente, afirmam os críticos da destinação de verbas para a realização das obras relacionadas à Copa do Mundo?

É fato que algumas das diversificadas pautas que caracterizaram essa última série de protestos deixaram pouco à vontade certa esquerda que ainda não aprendeu a ser vidraça e a conviver com as dores e as delícias de se ser governo. Críticas à operação política montada para viabilizar os interesses da FIFA e à falta de transparência no processo de gestão e uso das verbas públicas direcionadas ao evento organizado pela referida entidade ainda não foram bem digeridas, e boa parte do PT esperava, ao invés do descontentamento com todos os casos de corrupção que de uma maneira ou outra envolveram o governo e sua base aliada, uma espécie de desagravo a José Dirceu e demais mensaleiros.

Mensaleiros, aliás, que foram condenados pela Justiça e aguardam pelo cumprimento de suas penas enquanto o processo ainda está em fase de recursos, tudo dentro da normalidade jurídica e constitucional.

Todos os agentes políticos envolvidos em casos de corrupção investigados pela Polícia Federal ou pela Procuradoria da República foram sumariamente afastados de seus cargos pela Presidente Dilma Roussef. Relacionar a corrupção ao seu governo é ignorância ou má-fé.

Você acha que o preconceito de José Feliciano não o representa? Bem, então critique os partidos da base aliada pela manobra política que lhe entregou a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, mas não se esqueça de refletir sobre o avanço da bancada evangélica sobre a democracia e vá cobrar a fatura pelo desrespeito à dignidade humana batendo às portas de igrejas como a do pastor Silas Malafaia. Líderes religiosos e líderes religiosos vinculados a partidos políticos e exercendo cargos públicos é que precisam prestar contas de projetos como a “cura gay”. Não se esqueça, porém, que nem todo partido político concorda, ou mesmo abriga em suas hostes, com delinquentes intelectuais que defendem teses como a de que homossexuais são doentes. Muito antes de você compartilhar em redes sociais sua foto nas recentes manifestações ao lado de seu namorado, homossexuais já apanhavam da polícia e de grupos extremistas, eram estuprados em presídios e apontados na rua. Portanto, você não é nenhuma Joana D’arc dos direitos humanos.

Também é fato que, tão importante quanto não se perder a noção do ridículo, é ter a humildade de se aprender com a história e reconhecer os próprios erros. A juventude de esquerda, e mesmo aquela ligada a movimentos radicais, nos anos 90, no mínimo por tanto quanto do que se viu nos 10 anos de governo do PT, pedia o impeachment do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e boa parte da esquerda hoje no poder, e mesmo na oposição, a isso insuflava; logo, pedir o impedimento de Dilma ou antecipar 2014 pode ser, na pior das hipóteses, uma leitura equivocada do quadro histórico – pois poucos políticos são tão honestos quanto a presidente ou com menos culpas por nossos problemas políticos estruturais -, mas jamais algo antidemocrático.

Outro fenômeno que precisa ser levado em consideração é o que envolve um certo esgotamento do partido político mais importante do continente no último quarto do século passado e nessa primeira década. O PT de lutas – e, com ele, boa parte da esquerda -, que organizava os movimentos sociais, representava-os, denunciava a corrupção, organizava a formação política de seus quadros, e exatamente por isso se diferenciava, burocratizou-se. As lideranças partidárias que ocupam cargos, eletivos ou burocráticos, no aparelho estatal são, juntamente com as ações de governo, com as ações da Presidente e de seus ministros, a “cara” do partido, e essa cara é bem feia para a parcela da juventude que cresceu sob os holofotes do dito “mensalão”. Uma das razões pelas quais a maioria da juventude de hoje, sobretudo a “diferenciada” e de classe média, não mais distingue o partido no governo do partido enquanto instituição é, exatamente, essa burocratização, essa acomodação. Inúmeros quadros qualificados passaram a ocupar cargos nos mais variados escalões do governo e a formação política virou conto de fadas. Movimentos sociais com forte penetração de esquerda foram instrumentalizados [UNE, CUT, etc], perdendo, inclusive, sua própria credibilidade, e o partido perdeu sua característica de partido de massas e de lutas, criando um distanciamento entre parcela da nova juventude e a política de rua, de reivindicação. Se não há mais um partido, ou mesmo movimentos sociais organizados, capazes de aglutinar ideais da juventude, é compreensível, em certo sentido, que ela saia às ruas dispersa, protestando contra tudo e contra todos – tornando-se presa fácil do fascismo de plantão -, e mesmo que sua percepção do governo seja completamente diversa daquela de um beneficiário do bolsa-família.

É evidente, porém, que tal leitura não é consequência somente de equívocos petistas. Some-se a isso tudo uma boa dose de antipetismo, administrada pelo que há de pior em nossa direita, e o rebaixamento irresponsável da política pela ação, ou negligência, conforme o caso, dos próprios partidos políticos e da mídia, como bem anotou Marco Weissheimer em recente artigo. O tucano Aécio Neves, um dos alvos do descontentamento da juventude com os partidos tradicionais, deu mostras desse oportunismo irresponsável ao criticar o recente pronunciamento da presidente Dilma Roussef sobre a série de protestos que tomou conta do Brasil.

Governo e partidos políticos precisam tirar lições desse recado das ruas, evidentemente. Há, sim, pautas e formas de participação popular que parecem, cada vez mais, prescindir tanto de sindicatos, movimentos sociais tradicionais – MST, UNE, etc – e partidos políticos a fim de expressar sua opinião. Não se trata de julgar se isso é bom ou ruim – pois do fato de não serem “políticas” em sentido tradicional não se segue, necessariamente, que sejam absolutamente despolitizadas -, mas sim de se compreender que a legitimidade emprestada pelo povo a seus representantes não é absoluta, não é carta branca. De modo semelhante, ao passo que não se pode varrer para debaixo do tapete o fato de que as formas tradicionais de representação talvez estejam se tornando anacrônicas, também não se pode ignorar o papel central da política na organização da vida em sociedade – lugar que ela continuará ocupando até o final dos tempos. Tais manifestantes – jovens, em sua maioria – precisam compreender o quanto a política e todos os interesses públicos e privados que gravitam ao seu redor influenciam nosso cotidiano. É a velha e boa máxima brechtiana: “o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas”, e é de nossa ignorância política que nasce, exatamente, “o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo”.

O mais importante disso tudo talvez seja que poucos centavos, aparentemente, passaram a fazer diferença na vida das pessoas. Talvez elas tenham aprendido – e isso muito graças à política feita no Brasil nos últimos 20 anos, convém não se perder de vista – a dar valor a cada centavo pago por um serviço dito público. E que bom que isso seja assim, se for o caso.

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